CLÁSSICOS PARA "BURROS"
Inventaram recentemente – e já teve
gente ganhando, ou pelo menos pretendo, safar uma graninha das testas da viúva
para isso – uma história de “simplificar” os clássicos da língua
portuguesa. A primeira investida é contra
Machado de Assis. A justificativa é mais
ou menos a seguinte: facilitar a leitura dos clássicos, para que o jovem leitor
– bem burrinho – para que mais tarde ele possa enfrentar galhardamente os
textos originais.
Originalidade, sem dúvida, está na
ideia, para continuar sendo elegante. Em vez de elevar o leitor, puxa-se o
Machado para baixo. Podemos exportar a ideia para o mundo: Shakespeare
simplificado. Platão, em poucas linhas. Proust ao alcance de qualquer bocó.
Machado, moço pobre, criado na provinciana, na época, cidade do Rio de Janeiro,
certamente teria atingido outro patamar, tivesse acesso às versões
simplificadas dos clássicos da literatura mundial, como hoje proposto.
E por que ficar apenas em Machado?
Vamos a todos os escritores importantes da língua portuguesa e da literatura
mundial. Vamos fazer mais, como teme, ironicamente, João Ubaldo, em sua crônica
no Estadão do último domingo, criar o Vocabulário Popular da Lingua Brasileira.
Nada mais que uns 1200 vocábulos,
utilizados obrigatoriamente por qualquer um que escreva livros, matérias
de jornais, crônicas, ou seja lá o que for.
Como bem chama a atenção, João
Ubaldo, tem nessa maluquice, um conceito assaz esquisito de que numa obra
literária existem uma diferença entre conteúdo e forma. O conteúdo é – digamos
assim – o enredo propriamente dito, a história. Já a forma o “jeito” escolhido
pelo escritor para narrar a sua história. Feita a absurda distinção, caberia
perfeitamente reescrever a obra, contando a história de uma outra maneira. Todo o esforço e a criatividade do escritor,
em “contar do seu jeito” a sua história que vá pro ralo. Afinal, pelo visto,
não vale grandes coisas, já que não está ao alcance dos semi-letrados ou
analfabetos funcionais.
Caminhamos ao contrário. Descemos o
nível.
A justificativa de permitir, teoricamente,
o acesso às obras por parte de gente que não estaria em condições de
compreende-las é de uma idiotice abissal. Ao baixar o nível não estamos sendo
democráticos, muito pelo contrário. Estamos condenando as pessoas ao nível mais
abaixo, já que ninguém se preocupa em eleva-lo, empobrecendo a língua,
condenando as pessoas ao atraso e a manutenção do privilégio.
A continuarmos nesse toada, como
sugere Ubaldo, vamos adaptar Bach ao ritmo do funk, as sinfonias de Beethoven
em compassos de pagode e a uma coleção axé das obras de Villa-Lobos. Estamos
indo a passos rápidos, bem rápidos, para trás. E com o beneplácito do Governo e
o dim-dim do contribuinte.
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