ATAQUE COVARDE A MINHA RESIDÊNCIA NA CALADA DA NOITE
Pois é, estávamos quase dormindo, por volta de uma hora da
madruga, quando um grito lancinante (não é assim que o povo dos romances
vamo-que-vamo descreve?) nos desperta em pânico. O nosso valoroso cão de guarda, tão dócil na
rua, mas que incorpora um Pitbull doidão em casa, levanta-se e investe latindo
furiosamente em direção ao quarto da minha filha, de onde mais gritos, cada vez
mais aterrorizantes, eram ouvidos. Hesitei, confesso, pensando em lançar mão da
pistola automática guardada na mesa de cabeceira, escondida por baixo de uma
montanha de remédios, relógios e mais um monte de bugigangas, mas fui expulso
rapidamente da cama, por uma livrada certeira, com cerca de umas 500 páginas,
desferida em minha cabeça pela minha senhora, acompanhada de frase estimulante:
A cachorra a esta altura, pelos rosnados e latidos ensandecidos
deveria estar enfrentando algo realmente perigoso. Ainda assim, armado apenas
de uma prosaica sandália japonesa, como se diz na Bahia, fui ao encontro do
perigo, que perturbador, tal a intensidade dos gritos, que não cessavam,
desejando que fosse lá o que fosse, pudesse ser enfrentado, claro que com a
ajuda da nossa fiel Pitbull caseira e derrotado por potentes chineladas de
havaianas.
Arma 02 |
Moro no 26o. andar. Um assaltante, sequestrador,
terrorista, algo assim do gênero é sem dúvida pouco provável. A segurança do
prédio é razoável. A esta altura dos
acontecimentos, os gritos deveriam ter inclusive acordado o nosso, nem sempre
alerta, porteiro e com toda certeza, o, um pouco mais alerta, segurança. Quem
sabe os vizinhos já estivessem se mobilizando em meu socorro, chamando a
polícia, a síndica, se preparando para derrubar a porta... Mas, o caro leitor
há de concordar comigo: quem realmente pensa direito, ao ser acordado aos
gritos (lancinantes), corroborados pela ataque feroz em andamento pelo nosso
cão, que certamente estava a ver um perigo real e pior, atordoado pela livrada
desferida com admirável pontaria.
Pensasse melhor perceberia que o cão coragem estava latindo
e rosnando sem destino certo e que a minha senhora sequer tinha se dignado a
levantar da cama, limitando-se a estimular os combatentes com mais uma frase
enfática e decisiva: “acabem logo com esta bagunça que eu quero dormir.” Normalmente
sensível ao menos sinal de perigo, a sua indiferença com o episódio, que aquela
altura ainda não estava claro para mim, deveria ter me alertado para me
preparar com mais calma para enfrentar fosse lá o que fosse, expulsando
inclusive o cachorro do local do combate, antes que a vizinhança ligasse para a
polícia e todos os desagradáveis desdobramentos que esses episódios noturnos
costumam gerar acontecessem de fato.
Mas não o fiz. Entrei em desabalada carreira, quarto adentro
da minha filha, pronto para salva-la dos terríveis perigos que certamente a
ameaçavam, tropecei no cachorro, derrubei o abajur e espantei o baratão que
subia languidamente pela porta do guarda-roupa e que, aproveitando-se
(indefectível gerúndio) da minha desastrada entrada adentrou no dito cujo,
desaparecendo solerte.
Puto azar. Além de ter passado a noite desmanchando o
armário e pondo abaixo todo o quarto, vigiado de perto pela cachorra traíra,
que colocou-se na porta impedindo a minha fuga, rosnando ameaçadoramente a cada
tentativa infrutífera de escapulir do local, ainda me vi, de lanterna em punho,
recebida autoritariamente da minha filha, esquadrinhando cada canto, japonesa
na mão, qual um CSI dos trópicos sem conseguir encontrar o baratão criminoso.
As buscas foram recomeçadas pela manhã, mas encerradas com a
chegada da nossa funcionária, dona Denisse (sim com dois “s”), que munida de
uma arma muito mais eficaz, em aerossol, decretou: sai todo mundo, leva o
cachorro, que agora é comigo. Infelizmente o IML até agora não conseguiu por às
mãos o cadáver. Espero que não retorne essa noite.
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