A PRISÃO DE LULA ME ENTRISTECE. E MUITO.
Sou de uma geração que viu a nossa adolescência,
a nossa juventude, marcadas pela ditadura militar. Na época, ginasiano do
Colégio São Bento em Salvador, tive a sorte de ter mentores que me mostraram, ser possível sonhar e lutar por um mundo
melhor, mais justo e mais humano, mesmo naqueles tempos sombrios.
Fui da Juventude Estudantil Católica, os meus
primeiros passos na atividade política, seguidos depois por uma passagem rápida
pela AP (Ação Popular), um caminho trilhado por jovens católicos, que desejavam
ter uma ação mais efetiva na luta política. Em seguida, por um bom tempo, nos
quadros do PCB, de onde saí, mais tarde, com a dissidência que acompanhou Carlos
Marighella.
Em todas essas organizações e andanças olhávamos
com muito carinho, interesse e, sobretudo com muita esperança, para uma
camarada que surgia no cenário político, um operário, um tal de Lula da Silva,
que – no Sindicato dos Metalúrgicos – mobilizava trabalhadores para suas lutas
específicas. Aos poucos Lula daria outros passos à frente, ensaiando algo mais
amplo, participando cada vez mais ativamente da política. Era preciso, naqueles
tempos sombrios, – no mínimo alguma coragem – mesmo para reivindicações específicas
de categorias profissionais.
Lula tinha então tudo para entusiasmar, os que lutavam pela justiça
social, pela liberdade e pela democracia, independentemente de qualquer
tendência. Um nordestino, pobre, líder sindical, legítimo representante da
classe operária, tida por nós todos, na época, como a destinada a mudar o
mundo. Liderou duas emblemáticas greves
dos metalúrgicos, em pleno regime militar. A primeira
de operários do ABC paulista em 1978 e, a segunda em 1981, quando foi preso e
teve cassado o seu mandato sindical. Um ano antes, aliado a intelectuais e
outros líderes sindicais funda o PT e em 86 é eleito deputado federal constituinte,
com a maior votação do País.
Acompanhávamos com orgulho e muita expectativa a trajetória do operário.
Na eleição para presidente, em 89, em que foi
para o segundo turno disputando com Fernando Collor, cantávamos o surgimento de
uma nova estrela. Uma estrela que representava não apenas Lula, mas também o
PT, a organização partidária onde depositávamos, também, os nossos sonhos e
esperanças. E Lula Presidente, era
o símbolo maior de tudo isso.
Collor, por outro lado, era tudo contra o
que lutávamos. O seu gesto, clássico, punho fechado erguido, nos remetia à
simbologia fascista. O que nele entusiasmava também multidões, era exatamente o
que não desejávamos para a Presidência, a primeira eleição livre e direta, após
todos os anos de ditadura. Collor era os mesmos de sempre na política,
e a sua luta contra os “marajás”, não nos iludia.
Os sonhos se evaporam com o último debate
do segundo turno, daquela eleição, quando o moralismo barato e o preconceito
venceram a esperança, com uma oportuna ajudinha da Rede Globo, que editou – e
veiculou a exaustão – uma versão do debate final da campanha totalmente
favorável ao Collor.
Deu no que deu. E só mais tarde Lula teria
outra oportunidade, elegendo-se em 2002, com uma votação
recorde de 50 milhões de votos. Lula, a esta altura já um animal
político mais tarimbado, mais esperto, procura em um empresário mineiro uma
espécie de habeas corpus preventivo, contra a possibilidade de fazer um governo
radicalmente à esquerda, capaz de causar pânico ao establishment.
Nem Lula e muito menos nós, éramos mais os
mesmos. Mas, ainda assim a nossa expectativa era de que o governo de Lula fosse
realmente um marco na história brasileira, um governo progressista, com um
olhar especial para os mais pobres.
Avanços foram feitos, sem dúvida, mas muito
aquém das esperanças e expectativas geradas muitos anos atrás. Não se trata
aqui, de se fazer uma análise dos anos de Lula na Presidência. Relembro exclusivamente
o que o ex-presidente significou para mim e, com toda certeza, para muitos
outros da minha geração.
O fim do ciclo Lula Presidente se dá com a
eleição de Dilma Rousseff, desta feita com um vice do PMDB. Um governo desastrado,
que termina com um impeachment e o ressurgimento de uma direita mais ativa e
com os ânimos, para ser generoso, cada vez mais exaltados.
Seria esse o legado que nos deixaria o
ex-presidente? Com o avanço da Lava Jato e a criminalização da política, por
parte de um número significativo de membros do Ministério Público, o projeto do
PT e de Lula enredam-se com as operações policiais e jurídicas.
Vejo hoje, aquele nosso ídolo do passado, indo
para a cadeia, numa situação que não guarda qualquer semelhança, com sua prisão
em 1981 durante a ditadura. Hoje, o sentimento que tenho é de algo muito
melancólico, triste, por tudo o que Lula já significou. E aqui não vai nenhum
juízo de valor sobre a veracidade ou não das acusações que pesam contra o
ex-presidente.
Vejo isso tudo com muita tristeza, sim. É
como se boa parte dos nossos sonhos estejam também, junto com Lula, saindo do
cenário político. Não importa quanto tempo Lula vai permanecer preso, tanto
faz. Gostemos ou não é um ciclo da nossa história que se fecha e um outro que
se inicia com perspectivas nada alvissareiras, com a criminalização da política
como um todo, com a criminalização inclusive da forma de se fazer política e com
o avanço de ideias perigosas, como as que todo político é ladrão e que o “fazer
política” só é admissível se referendado pelo Ministério Público e os
tribunais.
Até mais Lula. Não deu. Não deu por uma
série de razões. Uma pena. Estaríamos
muito melhores se todos aqueles nossos sonhos e esperanças tivessem se
concretizado. Teria sido melhor que a sociedade brasileira não vivesse momentos
de ódio e rancores, com a política sendo reduzida ao nós contra eles,
independentemente de quem seja o “nós e eles”.
Teria sido bom Lula, se pudéssemos, por um
instante que fosse, voltar ao passado, aqueles tempos em que você, entre outros
homens e mulheres de bem, representavam ainda a boa e velha esperança de dias
melhores para todos.
Só resta agora esperar que os novos e
velhos atores, que ensaiam os primeiros movimentos no cenário ainda incerto das
eleições deste ano, tenham a elevada estatura, ideias e coragem para trazer o
País de volta a normalidade, restaurem o modo correto de fazer política e que
enfim possamos pensar em projetos capazes de conduzir o nosso país ao patamar
que ele precisa e que todos as pessoas de bem desejam.
Precisamos novamente alimentar os nossos
sonhos. É preciso voltar a luta para que o nosso futuro, as nossas expectativas
de um tempo melhor para todos não termine, também, em um canto qualquer da
história, triste, melancólico e sem perspectiva, como a saída de
cena, daquele que representou tantos sonhos e esperanças e está hoje solitário em uma cela da Polícia Federal.
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