POUCA GENTE NOTOU, MAS A REFORMA POLITICA JÁ COMEÇOU.
Cantada em versos e prosas e vista
como uma das soluções mágicas para esses tempos de crise
político/institucional, a reforma política já está em andamento, com a
aprovação no Senado do voto distrital. Ainda que inicialmente restrita a
eleição dos vereadores de municípios com mais de 200 mil eleitores, se aprovada
pela Câmara, será uma revolução no
processo eleitoral brasileiro.
Como quase todas as leis aprovadas
pelo Congresso o texto, que o Senado enviará à Câmara, é impreciso e não
estipula regras claras de como será a divisão dos distritos, deixando a tarefa
para os tribunais eleitorais, que passarão, assim, a ter um poder inédito para
determinar não apenas a lisura do pleito, mas de influenciar, decisivamente nos
seus resultados.
As estimativas são que a maioria
absoluta dos atuais vereadores não consiga se reeleger e que, provavelmente, a
maioria deles será injetada da política.
Além disso, o voto distrital vai
implicar na redistribuição de poder entre os partidos, favorecendo a
polarização partidária, contribuindo para o enfraquecimento dos pequenos e,
talvez, até mesmo dos de porte médio.
A maioria dos vereadores das cidades
maiores não vence nas zonas eleitorais. O voto é disperso. Acrescente-se ainda
o fato de que muitos brasileiros não votam nos distritos onde residem de fato,
já que isso – até hoje – não foi importante e não tem relação direta com o
voto.
Pela nova lei, no entanto, cada
cadeira da Câmara Municipal será ocupada pelo vereador mais votado em cada
distrito. Para isso a Justiça Eleitoral precisa dividir as cidades em uma
quantidade de distritos equivalente ao número de vereadores atual, todos com a
mesma quantidade de eleitores, com no máximo uma diferença de 5% entre eles.
É nesse “desenho” que reside o poder
atribuído pela lei aos tribunais eleitorais. É possível desenhar o mapa de modo
a concentrar eleitores de determinado partido em vários distritos e/ou
dispersar os eleitores de outro entre muitos distritos. Tomado o cuidado, por
exemplo, de fazer com que determinado partido consiga que seus candidatos
sempre alcancem a maioria em cada área é possível, desde que esses candidatos
vençam por um voto apenas de diferença em 80% dos distritos, para que eles ocupem
80% das cadeiras da câmara, mesmo que tenham recebido menos da metade dos votos
totais.
Parece complicado? Na verdade todos
esses dados estão a disposição dos tribunais eleitorais. O trabalho resume-se,
apenas, à pratica estatística, a combinar os dados das últimas eleições e
relocar eleitores das atuais zonas eleitorais. Pode não ser absolutamente
preciso na primeira tentativa, mas na segunda, no máximo na terceira eleição
tende-se a chegar a perfeição.
A manipulação dos distritos é
conhecida, faz tempo, na verdade desde 1812, nos Estados Unidos, onde ganhou
até nome próprio: “gerrymandering, em homenagem a Elbridge Gerry, governador do
Estado de Massachusetts, que redesenhou os distritos para favorecer o seu
partido. É uma mistura de Gerry com “mander”(de salamander / salamandra em
inglês, em alusão ao formato com que os distritos de Boston ficaram parecidos
depois da manobra).
Na edição de 4 de maio, por exemplo, o Estadão fez uma simulação usando apenas dois partidos, em 55 distritos da cidade de São Paulo. Conforme o "desenho", dois resultados diferentes foram conseguidos. Em um venceu o PT em 29 distritos, contra 26 do PSDB. No outro o PSDB venceria em 28, contra 27 do PT, os dois únicos partidos utilizados na simulação. É evidente que com a participação de outras agremiações o resultados seria diferente, mas serve para demonstrar como o "desenho" dos distritos pode mudar o resultado de uma eleição.
Por aqui, portanto, é aguardar para ver como
ficarão as coisas. Talvez, quem sabe, depois dessa experiência, as pessoas
passem a ver com mais cuidado as tais propostas de reforma política, com menos
clima de torcida de futebol, mais atentas às consequências de reformas feitas
no afogadilho e que muitas vezes – em vez de benefícios e lisura para o
processo – trazem mais problemas, geram insegurança e permitem manipulações
antes insuspeitadas.
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