VALE "RESSUCITAR" 64?

A quem interessa de fato "rememorar" o “golpe”, “revolução” ou “movimento”, como queiram, de 64? Ora, direis, mas é uma questão ideológica do atual governo. Sim, é. Mas vale a pena? Essa é a pergunta. Se tirarmos os núcleos mais duros do grupo governista e deixarmos de fora, também, o pessoal mais engajado do outro lado, para a grande maioria do população esse assunto interessa? 

Se tudo estiver correndo muito bem na área econômica, com muita comida na mesa e um dinheirinho extra para gastar é mais fácil convencer a população dos projetos mais ideológicos, relacionados com a moral e os costumes, por exemplo. Até mesmo, quem sabe, conseguir aplausos para fatos históricos controversos lá do passado.  

Acontece que, com poucos meses no poder, o governo, ainda que tenha planos e projetos sociais e econômicos, nenhum deles está em vigor, com exceção de algumas medidas como as intervenções nos aeroportos, ferrovias e cortes no funcionalismo públicos, por exemplo, que passam desapercebidos em função da ênfase nas questões puramente "ideológicas", como a a tentativa de "vender" uma nova versão sobre o movimento de 64 e outros penduricalhos. Resultado: muita discussão, movimentos e manifestações para fatos, acontecimentos e ideias que não estão na agenda da população, quando muito - e exclusivamente - na militância mais aguerrida. Vale a pena? Não seria melhor primeiro se concentrar na economia, mostrar competência administrativa e deixar para mais tarde, com um capital significativo de aprovação, passar a discutir questões ideológicas, de moral e costumes etc.?

A propósito da "Revolução de 54" o debate sobre a sua natureza também tem se revelado muito pobre e cheio de inverdades. De parte a parte, todos distorcendo, conforme os interesses a verdade dobre os fatos.

A maioria dos comentários e depoimentos defendem posições semelhantes, embora opostas. O meu lado é dos mocinhos e o dos outros é dos bandidos. A verdade não é exatamente essa. Boa parte do campo da esquerda queria simplesmente implantar uma ditadura nos moldes cubanos e afins, ainda que outra desejasse apenas melhorias sociais. Do lado da direita, uma boa parte queria mesmo endurecer o sistema, sufocar as esquerdas, ainda que existisse, também, outra apenas interessada em manter os dogmas do liberalismo econômico, ainda que temerosa do avanço do "comunismo"o grande fantasma da época.

Foi a polarização dos dois extremos que levou aos acontecimentos de 1964.

A ação militar começou a ser gestada, mais seriamente, a partir discurso feito pelo então presidente João Goulart,  no famoso comício da Central do Brasil, em 13 de março, defendendo as chamadas “reformas de base” e culminando com o seu último pronunciamento público oficial, feito no Automóvel Clube do Brasil, no Rio, em 30 de março, quando defendeu, junto com o seu cunhado Leonel Brizola, a sublevação dos sargentos e praças das Forças Armadas.

As “reformas de base” incluíam desapropriação de terras improdutivas, combate ao analfabetismo, reforma eleitoral, urbana e educacional, distribuição de moradias para os pobres e, terror dos terrores, a legalização do Parido Comunista Brasileiro, numa época em que o planeta estava dividido entre os países do  “mundo livre” e os da “cortina de ferro”.

No comício da Central do Brasil, essas reformas tiveram início com a desapropriação de terras e de refinarias. E, curiosidade, se formos olhar direitinho tudo isso, de uma forma ou de outra, terminou sendo concretizado nas últimas décadas, sem grandes alardes e sem necessidade de implantação do "socialismo" ou da intervenção das Forças Armadas.

Entre as verdades, que costumam ser ocultadas ou desmentidas, dependendo da posição do indivíduo, estão o apoio popular e a unanimidade das Forças Armadas em torno do “movimento”. De fato, o golpe, ou a revolução, como queiram, não foi um movimento exclusivo dos militares. Eles receberam apoio da grande imprensa, das elites econômicas, da classe média, dos políticos e foram muitas as manifestações populares a favor. Uma boa parte da igreja também estava lá.

Os primeiros passos, pelo menos os públicos, foram dados por um civil, o governador de Minas Gerais, José de Magalhães Pinto, que se entendeu com o general Olimpio Mourão, para que fosse dada a ordem para movimentar as tropas da 4a. Divisão de Infantaria, sediada em Juiz de Fora, rumo ao Rio de Janeiro. O que foi feito mesmo sem saber qual seria a posição do 1o. e 2o. Exércitos, do Rio e São Paulo, respectivamente, dados como neutros.

João Goulart, embora contasse com certo apoio nos meios militares (Osvino Ferreira Alves, conhecido como o “general do povo” e o comandante do Corpo de Fuzileiros Navais, vice-almirante Cândido da Costa Aragão, além da propalada neutralidade dos comandantes do 1o. e 2o. Exércitos) não partiu para o confronto, deixando o Brasil, rumo ao Uruguai, com uma escala em Porto Alegre.

Só depois da saída de João Goulart os militares vieram de fato a se acertar, fechando fileiras em torno da “revolução”.

Os entusiasmados defensores do movimento de 64, a maioria que sequer era nascida na época, acreditam que o único objetivo era impedir que o comunismo fosse implantado no país. Se fosse verdade bastaria, afastada a ameaça, devolver o poder aos civis e restaurar a democracia, mas decidiram ficar no poder. E por tempo indeterminado.

Mas o melhor foi a surpresa das surpresas, com a implantação de quase um ideário “comunista” pelos militares: um intensivo processo de estatização, que levou o Brasil a ter mais que mil empresas estatais na segunda metade dos anos 70.

Quanto aos opositores do regime existem, também, versões inverídicas. A esquerda queria de fato implantar um regime autoritário no Brasil, no moldes praticados principalmente em Cuba e fins, ainda que divergissem sobre os métodos: de forma pacífica, pelas vias eleitorais para alguns ou à força das armas para outros. O ditador Fidel Castro e o seu fiel escudeiro Che Guevara, eram endeusados pelos militância e o mundo estava realmente polarizado entre os países ditos socialistas e os de regime capitalista, servindo de pano de fundo para o cenário brasileiro.

Outra, Castelo Branco, o primeiro presidente militar também não foi eleito democraticamente, como acreditam, ou querem acreditar, os seus defensores. O voto no Congresso foi aberto, num momento claramente de exceção, com apenas candidatos militares, todos de alta patente. Castelo recebeu 361 votos, Juarez Távora 3 e Eurico Gaspar Dutra 2. Os dois últimos estavam lá apenas para constar.

Os apoiadores de 64 também não se cansam de falar no “milagre econômico”, quando o Brasil, beneficiando-se do cenário internacional favorável, cresceu em cerca de 10% ao ano na década de 70. O problema é que tudo terminou com uma dívida externa, que representava mais da metade do Produto Interno Bruto (PIB). O salário mínimo, que antes do “movimento” valeria hoje algo em torno mil e 200 reais, caiu durante o regime para meros 500 mil. O tombo foi tão grande que só recentemente voltamos  a nos aproximar dos mil reais. O percentual de pobreza era de 21,7%. Hoje, mesmo com a crise econômica, está em 4,2%.

No campo político ambos os lados também distorcem a realidade. A Constituição foi para o lixo, junto com os direitos e liberdades políticas. A censura foi implantada, mandatos cassados, o Congresso fechado, adversários perseguidos, presos e até mesmo assassinados. Muita gente foi obrigada a se exilar, a prática de tortura foi amplamente utilizada. O outro lado também contribuiu para a barbárie. Sequestros, assaltos a mão armada, guerrilha, assassinatos, o “centralismo democrático” calando com violência os discordantes internos. E mais não fez porque perdeu a batalha.

A verdade é que tudo o que aconteceu foi resultado da reação às forças contrárias, tanto de um lado como do outro. Eram tempos duais e nos campos extremos estavam grupos inclinados apenas em implantar um regime de força, de esquerda ou de direita, um campo de batalha replicando o que acontecia em todo o mundo, em confronto permanente. É claro que no meio disso tudo existia muita gente que queria apenas a democracia e a liberdade e que foram perseguidos por isso. É verdade também que muita gente que apoiou o regime militar depois se arrependeu, e passou para o lado da oposição, aquela mais institucional, que foi representada pelo MDB da época. 

Mas na realidade a grande diferença entre os dois grupos extremos é que houve vencidos e vencedores. E, que mais tarde, a sociedade brasileira resolveu encerrar o assunto da melhor maneira possível na época, com a Lei da Anistia, que deu perdão aos torturadores e patrocinadores de todos os excessos praticados e terminou por indenizar parentes e vítimas. Mas pelo visto, a tentativa de fazer dos acontecimentos iniciados em 64 uma página virada da nossa história não está dando certo. As consequências? Dificilmente serão boas.

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