Diário de uma quarentena – 01

Decidi registrar aqui esses dias de quarentena. Não que tenha fatos relevantes, curiosos ou excepcionais, para contar. Afinal, ficar trancado em casa decididamente não produz fatos interessantes. Reflexões são possíveis, mas, no final das contas, o coronavírus ocupa boa parte delas. A ideia, quem sabe, é daqui há algum tempo reler e ver o que podemos aprender com tudo isso.
É uma experiência única e inédita, pelo menos em minha vida. Algo parecido, ainda assim muito diferente, vivencie na década de 90, em África, quando, trabalhando em Angola, fomos proibidos de sair do hotel, para qualquer coisa, com exceção apenas da ida para a produtora, mesmo assim só com escolta armada. Mas era um hotel, éramos muitos e podíamos pelo menos circular nas dependências do dito cujo, trocar ideias e até mesmo trabalhar juntos.
Esta quarentena começou bem antes para mim e família, quando a minha filha precisou, na semana anterior ao Carnaval, ser internada de urgência. Foram um pouco mais de 20 dias, onde a nossa quarentena era restrita ao quarto do hospital e a um corredor com um pouco mais de 15 metros. O retorno a casa, ainda que em quarentena, foi vista como uma vitória, motivo mesmo de comemoração, uma vez que tínhamos todos, ainda que a trancos e barrancos, superado uma situação difícil de saúde.
Passados os primeiros dias, já em casa, a sensação de alívio , deu lugar a perplexidade e a impotência. Como chegamos a isso? Conseguiremos superar todas as desastrosas consequências? De repente você percebe que depende, como nunca, de outras pessoas, da situação externa, sobre a qual vc não tem nenhum poder. Neste momento sobreviver, seja lá qual for o custo, é o que nos permite vivenciar e estarmos dispostos a superar todos os obstáculos, mesmo os ainda desconhecidos, pois – gostemos ou não – toda essa situação ainda vai continuar por um bom tempo e de forma muito mais grave.
O medo está presente em todas as nossas horas. Atitudes simples, como sair para comprar comida e/ou remédios exige uma operação meio de guerra. Máscaras, luvas, troca de roupa no retorno, lava a mão, lava o rosto, toma trocentos banhos por dia... coisas novas, complicadas e começamos, também, a ter contato com comportamentos fora da curva. Para o bem e para o mal.
No supermercado, farmácia, padaria (os únicos lugares que ainda podemos ir) a tensão é visível. No condomínio medidas novas e nada simpáticas tiveram que ser adotadas: todas as comemorações no salao de festas e churrasqueira suspensas. Piscina, sauna, academia e salas de jogos, infantil e adulto, fechadas. Quando se cruza com alguém no elevador o comportamento é de extremos: tem gente que não consegue sequer ficar junto com outras pessoas, mas temos, também, moradores que agem como se nada estivesse acontecendo. O sentimento de pânico, no entanto, vai prevalecendo e já temos condôminos que começam a exigir medidas que ultrapassam os limites do bom senso e da realidade.
Presos em casa a sensação é que nosso apartamento encolheu. Ainda que informalmente, cada um dos moradores se apossou de determinado espaço para chamar de seu. A cozinha e a varanda continuam sendo de uso comum – rsss, mas turnos são obrigatórios, pois todos juntos é impossível.
É engraçado, mas de repente nos demos conta que nunca convivemos, desta forma, todos juntos por tanto tempo, num único espaço. Ah!, mas nas férias, nas viagens... Não é a mesma coisa. Tinha prazo de validade e ninguém ficava confinado num espaço tão reduzido. É preciso negociar tudo e mais um tanto. 
As rádios e as TVs podem ser instrumento de lazer ou de aborrecimento, simultaneamente, assim como as redes sociais. O “noticiário” sobre a pandemia, necessário, deixa no entanto todo mundo meio maluco. São poucas as notícias boas. Como se não bastassem as relacionadas com o vírus, ainda temos as trapalhadas do clã Bolso, cujo filhote, não sei lá que número, resolveu criar uma crise com o nosso mais importante parceiro comercial do momento. O inquilino do Palácio do Planalto e seu clã comportam-se na contramão mundial. O Bolso deve ser o único governante do planeta que considera “exageradas” (uma gripezinha) as medidas relacionadas com o combate a pandemia. Temos que ficar torcendo para que alguns dos seus auxiliares, mais sensatos, continuem a frente de medidas que possam minimizar os prejuízos de toda a espécie que esta pandemia nos reserva. 
Como estarão as nossas vidas num futuro próximo? Difícil prever. No momento o que importa mesmo é sobreviver, seja lá como for. Tempos difíceis. Tomara que passado o tombo, o que ressurgir seja realmente algo melhor.
Volto mais tarde ou amanhã. Saúde, paciência e compaixão para todos.

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